Quando uma conversa sobre
gramática é iniciada fora do âmbito das letras, a tendência das pessoas é
desconversar, iniciar outro assunto. De forma geral, o povo raramente se
identifica com a norma culta, gostam de inovar, criam novas versões para os
nomes de objetos, ritmos que soem mais harmônicos, concordâncias mais fáceis de
serem empregadas na comunicação diária.
A visão que se tem, pelos
mais variados motivos, é que a gramática é um estatuto imutável, criado por
seres superiores que não admitem erros em sua utilização. Na escola, qualquer
tipo de variação deve ser banida, bom mesmo é aquele colega que sabe todas as
regras do emprego da vírgula ou aquele outro que sabe de cor a conjugação verbos
no pretérito mais que perfeito, e quando se torna adulto, toma consciência de
que nunca aprendeu português.
É uma pena que nunca
tivessem dito a ele, que para formular esse simples pensamento e todos os
outros enunciados com os quais ele se comunicou a vida inteira tenha usado a
língua portuguesa. Ela não existe em si mesma, mas em função do que as pessoas
falam, ouvem, leem e escrevem nas práticas sociais.
A gramática é composta de
regras e orientações a cerca do uso das unidades da língua, suas combinações
com a finalidade de produzir certos efeitos, em enunciados funcionalmente
inteligíveis, contextualmente interpretáveis e adequados aos fins pretendidos
na enunciação. (Antunes p.86) Assim, a atitude de tentar segui-la a risca para
a manutenção de uma língua única, resulta num uso artificial e não atende às
exigências efetivas da comunicação entre os falantes de uma língua.
O ensino, o uso, a
instituição do que seja padrão ou não na língua portuguesa do Brasil tem sido a
temática de vários especialistas da área, acreditam que uma mudança no ensino
da gramática em sala de aula pode modificar até a visão que o povo tem de sua
língua, o que a valorizaria e diminuiria a distância do que é ensinado na
escola e a língua falada pelo povo.
Muitos escritores que
vivem da arte literária também se interessam pelo assunto e até discutem questões
gramaticais em seus textos. Ivan Jaf que é um escritor bastante versátil, cujas
produções vão desde uma série com História do Brasil e vampiros, até adaptações
de clássicos, passando por ficção científica e relacionamentos amorosos. Em “Um futuro singular”, publicado no livro
“Lições de gramática para quem gosta de literatura”, o autor conta, de forma
bem humorada, a história de um professor de português que escreve ao diretor da
escola onde leciona para pedir ajuda numa guerra contra os erros gramaticais,
dentre os quais estaria o erro quase herege da não utilização dos plurais
corretamente.
Ele alega ser algo de
perseguição do “Grande Pajé” da tribo Tupi. O índio desejaria implantar em sua
mente o idioma mais antigo dessa terra Brasil, escondido durante séculos, mas
que teria permanecido em nosso solo, germinado e voltado à tona para reclamar
seu posto de língua oficial. “...dez real – três cueca – seis limão – os peixe
tão fresco...”
Poderíamos até seguir a
teoria do narrador e acreditarmos que a não utilização de alguns plurais
referir-se-ia a um percurso de retorno ao Tupi e explicar que esse idioma
fabricado pelos missionários, fruto de uma mistura das línguas utilizadas pelos
índios para que ficasse mais fácil catequizar, um produto dos jesuítas difundido
entre as tribos catequizadas. Ele foi se misturando ao português e às línguas
faladas pelos milhares de negros que foram trazidos para cá, contabilizando um
saldo de cerca de 10 mil verbetes oficialmente inseridos a língua falada no
Brasil.
O que nos levaria a
verificar o já sabido: que a língua portuguesa possui 70% vocabulário do
português brasileiro sobre animais e plantas provêm do Tupi-Guarani, tem também
vasta influência no nome das cidades, acidentes geográficos, incorporação de
ditados populares, nomes de comidas, moradias, topônimos e antropônimos na
gênese da instituição de nosso idioma.
Por outro lado, também
sabemos que uma língua é modificada por seus falantes num tempo e num espaço,
no sentido de simplificá-la e adequá-la ao melhor uso cotidiano.
Essa última ideia de
língua nos remete à difundida pela de gramática funcionalista, em que a língua
é vista como um instrumento de interação social, cujo correlato psicológico é a
competência comunicativa, isto é, a capacidade de manter a interação por meio
da linguagem (CASTILHO, P.64).
No que tange ao
funcionamento da língua, seus acréscimos e reduções, o autor da obra “A língua
de Eulália” nos coloca que por mais que essas construções sejam consideradas
português errado, pobre de recursos e várias outras denominações repletas de
preconceitos, Bagno defende esse tipo de recurso denominando-o de econômico e
funcional. Segundo o linguista, essas construções possuem uma clara lógica,
regras coerentemente obedecidas, e serve de material para a literatura popular.
Para ele, um bom exemplo seria a canção “Cuitelinho”, obra que, como outras do
repertório folclórico, seu autor é desconhecido, grande parte das pessoas a conhece
na voz de Nara Leão.
“Cheguei
na bera do porto
Onde as
ondas se espáia.,
As garça
dá meia volta,
E o
Cuitelinho não gosta
Que o
botão de rosa caia. (...)”
Seguindo a lógica de um
português não-padrão, uma língua que funcione e não seja redundante, as marcas
de plural só existiria nos artigos que acompanhariam os nomes. No caso de haver
um substantivo e um adjetivo, receberia o (s) a palavra que viesse primeiro
para indicar que há mais de um. “fortes homem – homens forte.”
Algumas pessoas podem até
pensar que tal mudança de perspectiva deprecie a língua, acreditar que quanto
maior o investimento na língua, mais ela será valorizada e que são governos
negligentes que aceleram esse processo de modificação, pois se implantassem políticas
públicas eficientes, o povo teria mais
orgulho da língua pátria. Quanto maior fosse a valorização, maior ao acesso a
riqueza lexical e estrutural de uma língua , menos modificações ela sofreria.
Pensar dessa forma seria
reduzir a complexa relação entre língua e falantes nas mais variadas classes
sociais e níveis linguísticos, pois se há aqueles que não tiveram acesso,
utilizam o português-não-padrão e inovam retirando os (ss) redundantes dos
enunciados, também há os que se autodenominam intelectuais e inserem palavras
estrangeiras para dar status ao que ele anuncia.
Walcyr Carrasco no texto
Bilinguismo, retirado do mesmo livro da
obra de Ivan Jaf, nos mostra dois exemplos bastante interessantes num tipo de
verbete. Uma espécie de advertência em relação a algumas expressões que servem
como armadilha, por demonstrarem uma falsa sofisticação. As palavras são Cult
que em inglês significa culto em
português, é a
denominação dada aos produtos da cultura popular que possuam um grupo de fãs
ávidos. Geralmente, algo Cult continua a ter admiradores e consumidores mesmo
após não estar mais em evidência, o outro exemplo é Loft, uma palavra que
surgiu nos Estados Unidos, uma espécie de moradia instalada em antigos galpões
industriais, sempre enormes e sem paredes divisórias veio para o Brasil e a
nossa quitinete de luxo, pelo tamanho, perdeu sua utilidade, quem é chique fala
e mora num Loft.
Da mesma forma que quem
retira (s), os bilinguistas também modificam a língua e não é por isso que
empobrece seu léxico. Pelo contrário, o falante passa a ter um repertório maior
e bem atual para se comunicar.
Conhecer uma língua
significa saber se comunicar dentro das várias relações que se estabelecem
dentro da sociedade. “A linguagem é, ao
mesmo tempo o principal produto da cultura, e é o principal instrumento para
sua transmissão”. (Soares p.16) A supressão dos plurais demonstra a
necessidade da utilização dos mesmos em determinados grupos e em determinadas
situações. Isto é, nula. Esses grupos não deixam de se comunicar, não deixam de
transmitir sua cultura e suas opiniões sobre o que acontece ao seu redor.
Não se trata de inventar
uma forma própria de se comunicar, um novo idioma, todos os falantes seguem
regras. Cada elemento da língua possui em maior ou menor grau seu lugar dentro
do enunciado. Essas regras ficam claras quando se aprende a falar essa língua.
Dessa forma, podemos
dizer que é a estrutura social que determina o comportamento linguístico, mas a
qualidade, a eficiência do ato de enunciação e recepção só são ineficazes
quando o efeito produzido não é o pretendido pelo emissor, quando a proposta de
enunciação imaginada não se efetiva no ato da fala.
Defender a forma
espontânea dos falantes de uma língua se expressarem de forma alguma retrata
uma desvalorização da mesma,é nosso alimento num restaurante “Self
Service”e com pratos exemplares de variações de Norte a Sul
de Pindorama, com sabores do Ocidente ao Oriente e há quem misture quibe,
tempurá num prato de feijoada sem a menor cerimônia. Alimenta-se à moda Oswald
de Andrade em seus rituais antropofágicos, pois o que importa para ele, assim
como para qualquer falante é o sabor do alimento, é a eficiência cumprida pelo
papel do alimento, uma necessidade de – o ato de se comunicar.
BIBLIOGRAFIA
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália :
novela sociolingüística 15. ed.:São Paulo: Contexto, 2006.
CASTILHO, Ataliba T. de. Nova
Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.
ANTUNES, Irandé. Muito além da
gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola,
2007.
SOARES, Magda. Linguagem e escola -
uma perspectiva social. 17º edição. São Paulo: Ed. Ática, 2001.
CAMPOS, Carmen Lucia; SILVA, Nílson
Joaquim da. Lições de Gramática para quem gosta de Literatura.São Paulo:Ed.
Panda Books,